Siga nossas redes!

Neurobiologia da adição: A ação da cocaína

Saúde Física,Saúde Mental

O uso deliberado de determinadas substâncias têm sido descritos desde a antiguidade, pelo menos desde a morte de Alexandre o Grande em 323 a.C. provocada por anos de alcoolismo. Aristóteles registou os efeitos da privação do álcool em dependentes e que sua ingestão durante a gravidez pode ser prejudicial. No entanto foi o médico romano Celsus que afirmou que o consumo excessivo constituía uma doença.O nascimento da adição clínica nos tempos modernos é algumas vezes creditado aos teólogos calvinistas que ofereceram explicações para o fenômeno do consumo compulsivo, que mais tarde foram aceitas pelos médicos. (1)

O comportamento aditivo pode ser definido como uma doença crônica e recorrente, caracterizada pela compulsão na procura e uso de drogas, descontrolo de seu uso e um emergente estado emocional negativo (tal como:disforia, ansiedade e irritabilidade) que define uma síndrome de privação motivacional quando o acesso às drogas é restrito. (2)

A adição é uma condição em que um comportamento pode funcionar tanto na busca e produção de prazer como na redução de afetos negativos. O padrão de comportamento aditivo permite a distinção de duas características principais: a recorrente falha do controlo comportamental e prosseguimento do comportamento apesar das significativas consequências prejudiciais.


Muitos comportamentos (como: bulimia, o jogo patológico, adição às “compras”, adição sexual) produzem recompensas de curto prazo que podem gerar comportamentos persistentes até mesmo com conhecimento das consequências adversas e a diminuição do controlo sobre o mesmo.

Tais semelhanças deu origem ao conceito de adições livres de substâncias ou adições comportamentais(3).

Ambas apresentam igualmente uma história natural que pode apresentar padrões crónicos de recaídas, mas com muitas pessoas a recuperar por conta própria sem tratamento formal (o chamado abandono “espontâneo”).

Devida sua perturbação do controle dos impulsos e de compulsão, os comportamentos aditivos se tornou um grave problema social. Por esse motivo e o avanço tecnológico, os mesmos estão sendo cada vez mais estudados e um grande número de trabalhos sobre o assunto vem sendo publicado nos últimos anos.
Segundo o Informe Mundial sobre Drogas de 2007, a cocaína é considerada a segunda droga mais comum no mundo e a principal das Américas.

Estimativas do mesmo indicam que seu consumo afeta mais de 14 milhões de pessoas em todo o mundo, estando, em 2005, aproximadamente de 50% dos usuários em países da América do Sul. (4)


Devido ao grande impacto na saúde pública que o consumo de cocaína produz e o mesmo já ter se tornado um problema social indiscutível, optou-se por dirigir o foco deste trabalho para a cocaína.

Sobre a droga

A cocaína é um forte estimulante do sistema nervoso. Pode ser usada via intravenosa, intra nasal,ou pode ser fumada. O uso da cocaína por várias culturas ocorre há séculos. Ela é encontrada nas folhas
de Erythroxylon coca, árvores nativas da Bolívia e do Peru.

EFEITOS COMPORTAMENTAIS

A cocaína aumenta o alerta, as sensações de bem-estar e euforia, a energia, as sensações de competência, a sexualidade e a atividade motora. Também apresentam-se frequentes: paranóia, ansiedade e inquietação. Em esportes em que atenção e resistência são necessárias, pode ocorrer aumento do desempenho atlético.


Doses excessivas podem levar ao aumento da temperatura corpórea, convulsões e tremores. O sistema nervoso simpático é ativado simultaneamente aos efeitos comportamentais. Durante a overdose de cocaína pode suceder taquicardia, hipertensão e infarto do miocárdio. Conforme os efeitos da droga diminuem, o usuário sente-se disfórico, cansado, irritável e levemente deprimido, o que pode acarretar uso recorrente da droga para recuperar a experiência anterior.

A cocaína age no cérebro como um bloqueador do transporte de mono aminas, com afinidade semelhante por transportadores de noradrenalina, dopamina e serotonina.

A compreensão da neurobiologia da recompensa e do comportamento adaptativo faz-se essencial para a compreensão dos processos aditivos. Os organismos têm sistemas adaptativos e evolucionários que envolvem: a aquisição de comportamentos recompensadores de prazer (como sexo e alimentação); e o evitar situações aversivas.

Três regiões base do cérebro são responsáveis por mediar esse comportamento adaptativo.

Em síntese, trata-se: do núcleo accumbens que media atividades relacionadas com a recompensa; da amígdala, região envolvida em comportamentos motivados pelo medo; e do córtex pré-frontal, o qual está envolvido nas tomadas de decisão e na previsão de comportamentos recompensadores devido à determinação da importância de estímulos ambientais e adaptando a intensidade da resposta comportamental.

Cocaína bloqueia o transportador de dopamina (DAT), também chamado recaptador de dopamina.

A motivação à procura patológica de drogas envolve dois sistemas distintos de reforço: o positivo e o negativo.

O reforço positivo está relacionado à habilidade da droga em provocar alterações na atividade e nas vias específicas de neurotransmissores. Em se tratando de drogas, muitos fatores de reforço contribuem para seu uso compulsivo durante a dependência.


A cocaína pode aumentar diretamente a probabilidade de ser auto administrada através de reforço positivo (apresentação de um estímulo ou evento, seguidos de uma resposta, com o aumento da frequência dessa resposta) ou negativo (a frequência da resposta aumenta com a remoção do estímulo após a resposta(5).

O reforço positivo está relacionado com o efeito hedônico (o prazer no uso da cocaína); enquanto o reforço negativo acontece, por exemplo, com o aumento do consumo da droga, na tentativa de reduzir os efeitos da síndrome de abstinência.

O processo aditivo pode envolver a disfunção de três sistemas funcionais distintos:

  • Da motivação-recompensa, que deixa o dependente suscetível à irritabilidade, tensão, insatisfação e perda da capacidade de sentir prazer. Com esse tipo de disfunção, comportamentos associados à ativação do sistema de recompensa são mais fortemente reforçados do que é normal, por reforço positivo ou negativo;
  • Da regulação do afeto, que torna os dependentes cronicamente vulneráveis à instabilidade dolorosa afetiva e emocional. Comportamentos associados com o evitar ou fuga à dor afetiva são mais fortemente reforçados pelo reforço negativo;
  • Da inibição comportamental, que aumenta a probabilidade dos impulsos, para alguma forma de reforço a curto prazo (negativo e/ou positivo), se sobreporem à ponderação de consequências a longo prazo, tanto positivas quanto negativas.

O sistema recompensa tem participação fundamental na busca por estímulos causadores de prazer. Através do reforço positivo da recompensa, obtido em experiências prazerosas, o organismo é impelido a buscá-las repetidas vezes.


A dopamina é o neurotransmissor sintetizado dentro do sistema de recompensa. Para sua síntese é necessária a presença do aminoácido tirosina. Por meio da enzima tirosina hidroxilase, a tirosina é transformada em forma em DOPA (3,4 – hidroxifenilalanina). A dopamina tem origem na descarboxilação da DOPA. Posteriormente, é armazenada nas vesículas dos terminais pré-sinápticos para ser liberada na fenda após um estímulo neuronal.


Após ser liberada na fenda, atua sobre os receptores dopaminérgicos, cujo efeito é sensação de bem-estar e euforia. Rapidamente após a ligação com os receptores dopaminérgicos, a dopamina é retirada da fenda. Isso ocorre por meio de três processos básicos: a difusão da dopamina para fora da fenda sináptica, a destruição por enzimas, e a recaptação para o terminal pré-sináptico de onde foi liberada (onde será estocada para ser liberada novamente).

A recaptação é realizada pela bomba de recaptação, a qual envolve transportadores dopaminérgicos, os quais são encarregados de captar parte da dopamina liberada na fenda sináptica e de devolvê-la ao terminal pré-sináptico, para que ela possa ser reciclada.

Alças dopaminérgicas
Vias dopaminérgicas

O trato mesolímbico-mesocortical, do sistema dopaminérgico, se projeta a partir da área tegmental ventral para a maior parte do córtex frontal (responsável por funções psíquicas superiores) e sistema límbico (responsável pela emoção) e é a via dopaminérgica relacionada à recompensa.

Há uma relação íntima entrea recompensa e algumas estruturas cerebrais. O nucleus accumbens e a área tegmental ventral moderaram o estímulo à recompensa, induzido por substâncias psicoativas.


A cocaína estimula de maneira direta o sistema recompensa, ligando-se à bomba de recaptação de dopamina e bloqueando sua ação. Em consequência, mais dopamina permanecerá na fenda sináptica. Há um aumento da concentração, do tempo de permanência e da intensidade de ação da dopamina sobre seus receptores, resultando em um quadro de euforia e prazer muito mais intenso do que as situações que estimulam o sistema naturalmente. Isso reforça a busca por essa substância, com o intuito de satisfazer a necessidade da recompensa desencadeada.


A cocaína também tem grande afinidade pelo sistema de neurotransmissão de serotonina, responsável pela modulação do humor, pelo controle dos impulsos e é capaz de estimular também o sistema de recompensa. A ação da cocaína nesse sistema também se dá por meio do bloqueio da recaptação de serotonina.

PERSPECTIVAS DE TRATAMENTO E CURA

Atualmente, não existem medicamentos aprovados para o tratamento desta doença devastadora, e intervenções comportamentais têm provado ser de uso limitado.

A grande discussão da área recentemente, e que gera um grande número de trabalhos, é o potencial de alguns medicamentos para o tratamento da dependência de cocaína.

A revisão dessas descobertas recentes gera grande expectativa para medicamentos GABAérgicos ea vacina contra a cocaína, bem como medicamentos exclusivos, como o dissulfiram, cujo mecanismo ainda precisa ser determinada.

Há evidências significativas para o envolvimento dos sistemas GABA em perpetuação do processo de dependência eo reforço da atividade em indivíduos dependentes, estando possivelmente associadoà recaída. Mais especificamente, o GABA tem demonstrado a capacidade de suprimir a libertação de dopamina. A tradução da nossa compreensão desta neurobiologia em ensaios clínicos humanos de sucesso tem sido um pouco difícil. Estudos recentes com administração de vigabatrina, baclofene tiagabina tem demonstrado um possível capacidade de melhorar os resultados em pessoas dependentes de cocaína. (6)


O vigabatrina, também conhecida como gama-vinil-GABA (GVG), é um inibidor irreversível da GABA-transaminase que reduz a degradação do GABA, aumentando assim a sua atividade na sinapse. Em estudos como GVG mostraram que o mesmo reduz a liberação de dopamina induzida por cocaína em 25% ou mais em animais de laboratório; todavia, também tem havido uma associação com defeitos do campo visual em 1/3 das pessoas expostas à medicação por longos períodos. (7)

O baclofeno, um agonista do receptor GABAb, tem demonstrado eficácia em ensaios para o tratamento da dependência de cocaína.

Em vários estudos com ratos, baclofen demonstraram a capacidade de reduzir a autoadministração de cocaína e o restabelecimento induzido (8), comportamentos de busca de cocaína (8,9), e liberação induzida por cocaína de dopamina no núcleo accumbens (10).Supressão Baclofen mediada de lançamento DA persistiu após o tratamento de sensibilizadores locomotorda cocaína, indicando que os receptores GABAB em terminais de DA não foram alterados pela exposição à cocaína. Estes dados sugerem que a supressão de libertação de DA mediada por baclofen é devido à ativação de GABAB em terminais de DA para reduzir a probabilidade de libertação de DA. (11)

Tiagabina, um inibidor de recaptação de GABA, é um fármaco ainda sendo testado se efetivamente auxilia nos efeitos da adição por cocaína.

Alguns estudos demonstrar não haver uma melhora efetiva (12,9), contudo, um estudo posterior comparou o impacto dotiagabina contra lorazepam, um benzodiazepínico e medicamentos que aumentam a GABA, e placebo. Os autores descobriram que tiagabinaaumento do sono de ondas lentas, entretanto, o mesmo não diferiu do placebo em relação ao impacto sobre a função cognitiva (isto é, tarefa de vigilância, medidas de impulsividade) (13).

O estudo pode demonstrar uma possível indicação para tiagabina no período de abstinência mais cedo, uma vez que este medicamento pode melhorar a característica de distúrbio do sono da retirada; no entanto, estudos adicionais são necessárias para determinar a extensão do seu efeito sobre criação de abstinência, ânsia de cocaína, e recaída.

Vacinas contra abuso de substâncias representam uma área promissora no tratamento da dependência química. A introdução destes agentes no arsenal farmacológico representa uma mudança importante na conceituação do uso de drogas, desde o início das pesquisas, assume-se a ideia de que substâncias de abuso seria como agentes “estrangeiros” para o corpo e suscetíveis a mecanismos imunológicos.

Atualmente, os estudos para vacinas que tratam tanto de cocaína e dependência da nicotina estão em andamento, assim como vacinas para metanfetamina e heroína em estágios de desenvolvimento pré-clínicos.


A vacina contra a cocaína, TA-CD, é composto de um hapteno conjugado com cocaína inativado B da toxina da cólera, resultando na criação de uma molécula capaz de estimular uma resposta de anticorpos (14). Estes anticorpos são específicos à cocaína; ingestão da substância por qualquer meio (intranasal ou intravenosa) resulta na sua ligação e a criação de complexos imunitários impedindo que a mesma atravesse a barreira sangue-cérebro devido ao seu tamanho relativamente maior.

Estas moléculas são então repartidas por colinesterases na circulação, a conversão da cocaína em metabolitos inativos que são então excretados (15). Em alguns casos, ospacientes relataram uma redução nos efeitos subjetivos e euforia de cocaína fumada.

Apesar de não ser efetivamente claro sua significância, os GABAérgicos é uma possibilidade quanto ao tratamento medicamentoso da dependência de cocaína. Eles mostraram alguma capacidade de reduzir o desejo de cocaína ou de melhorar a duração do sono na qualidade daquelesinicio de abstinência, todavia uma melhor investigação é necessária antes que seja aprovada sua utilização.


A vacina contra a cocaína, TA-CD, tem demonstrado a capacidade de provocar uma resposta imunológica capaz de reduzir a recompensa subjetiva do uso de cocaína em animais e seres humanos. Estes resultados fazem do tratamento imunológico paratranstornos acarretados devido o uso de substâncias uma importante via a ser estuda para o tratamento não só de dependência de cocaína, mas também de outras substâncias.

Apesar de não ser efetivamente claro sua significância, os GABAérgicos é uma possibilidade quanto ao tratamento medicamentoso da dependência de cocaína. Eles mostraram alguma capacidade de reduzir o desejo de cocaína ou de melhorar a duração do sono na qualidade daqueles inicio de abstinência, todavia uma melhor investigação é necessária antes que seja aprovada sua utilização.

A vacina contra a cocaína, TA-CD, tem demonstrado a capacidade de provocar uma resposta imunológica capaz de reduzir a recompensa subjetiva do uso de cocaína em animais e seres humanos. Estes resultados fazem do tratamento imunológico para transtornos acarretados devido o uso de substâncias uma importante via a ser estuda para o tratamento não só de dependência de cocaína, mas também de outras substâncias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Crocq MA. Historicaland cultural aspectsofman’srelationshipwithaddictivedrugs. Dialogues ClinNeurosci. 2007 December; 9(4):355–361.
•(2) Koob GF, Le Moal M. Drug abuse: hedonichomeostaticdysregulation. Science 1997;278:52–58.
•(3) Grant JE, Potenza MN, Weinstein A, Gorelick DA. Am J DrugAlcohol Abuse. 2010 Sep;36(5):233-41.
•(4) UNODC, World DrugReport 2007 (United Nationspublication, Sales No. E. 07.XI.5).
•(5) Referencia
•(6) Heidbreder C. Novel pharmacotherapeutictargets for the management ofdrugaddiction. Eur J Pharmacol. 2005 Dec5;526(1-3):101-12.
•(7) Morgan AE, Dewey SL: Effectsofpharmacologicincreases in brain GABA levelsoncocaine-inducedchanges in extracellulardopamine. Synapse 1998, 30:119-129.
•(8) Di Ciano P, Everitt BJ: The GABA(B) receptor agonistbaclofenattenuatescocaine- andheroin-seekingbehaviorbyrats. Neuropsychopharmacology 2003, 28:510-518.
•(9) Weertsa EM, Froestlb W, Kaminskia BJ, Griffithsa RR. Attenuationofcocaine-seekingby GABAB receptor agonistsbaclofenand CGP44532 butnotthe GABA reuptakeinhibitortiagabine in baboons. DrugAlcoholDepend. 2007; 89(2-3): 206–213.
•(10) Fadda P, Scherma M, Fresu A, Collu M, Fratta W: Baclofenantagonizesnicotine-, cocaine-, andmorphine-induceddopamine release in thenucleusaccumbensofrat. 2003, 50:1-6.
•(11) Pitman KA, Puil E, Borgland SL. GABAB modulationofdopamine release in thenucleusaccumbens core. 2014.
•(12) Winhusen T, Somoza E, Ciraulo DA, Harrer JM, Goldsmith RJ, Grabowski J, Coleman FS, Mindrum G, Kahn R, Osman S, Mezinskis J, Li SH, Lewis D, Horn P, Montgomery MA, Elkashef A: A double-blind, placebo-controlledtrialoftiagabine for thetreatmentofcocainedependence. DrugAlcoholDepend 2007, 91:141-148.
•(13) Morgan PT, Malison RT: Pilotstudyoflorazepamandtiagabineeffectsonsleep, motor learning, andimpulsivity in cocaineabstinence. Am I DrugAlcohol Abuse 2008, 34:692-702.
•(14) Fox BS, Kantak KM, Edwards MA, Black KM, Bollinger BK, Botka AJ, French TL, Thompson TL, Schad VC, Greenstein JL, Gefter ML, Exley MA, Swain PA, Briner TJ: Efficacyof a therapeuticcocainevaccine in rodentmodels. NatureMed 1996, 2:1129-1132.
•(15) Orson FM, Kinsey BM, Singh RA, Wu Y, Kosten TR: Vaccines for cocaine abuse. HumVaccin 2009, 5:194-199.

Artigos Relacionados

comece sua jornada

torne-se um profissional qualificado

Ao concordar com a política de privacidade você aceita receber contatos via mensagem pelo WhatsApp, e-mails do Instituto Neurosistêmico com conteúdos gratuitos de Coaching e informativos de palestras e cursos.

Faça parte da lista de conteúdo exclusivos.

Preencha o formulário abaixo para receber os conteúdos.

💬 Precisa de ajuda?